A comunicação que constrói, não odeia

Tem algo no DNA da Énois que atravessa o tempo e as pessoas que fazem essa organização. Se resume em uma palavra com a qual quem nos acompanha também se reconhece: diversidade. Com ela, vem o cuidado, que se tornou a metodologia da Énois de trabalho, de relacionamento e de fazer comunicação.

Em um cenário em que o ódio virou linguagem política e o desamparo é estruturado, comunicar com afeto e respeito à inclusão é uma escolha radical. Uma escolha que inspira a Énois e é fio condutor do que fortalecemos e transformamos — e que se aprofunda nas palavras da jornalista, professora e conselheira da Énois Fabiana Moraes, ao defender um humanismo radical como única saída.

Foi o que ela escreveu em uma coluna publicada em janeiro deste ano, em resposta a um cenário de retrocessos democráticos no Brasil e no mundo, se referindo a um conceito cunhado pela escritora Sylvia Wynter. “Ele só é possível quando não permitimos que certos seres humanos sejam considerados mais humanos do que outros. Parece óbvio. Mas não é”, disse ela no texto.

mapeamento de Gênero, Raça e Território (GRT), feito pela Énois, é um exemplo concreto disso. A partir dele, entendemos que mais de 50% das pessoas que participam dos nossos projetos são mulheres negras periféricas, lideranças de comunicação em seus territórios.

Rede Énois reunida para o TechCamp Belém, que aconteceu em 2023. Foto: Glória Maria/Énois

Esse olhar para gênero, raça e território orienta o quem, o como e o porquê das nossas ações. “Olhar para gênero, raça e território se tornou o cerne da nossa atuação. Nossa comunicação não faz sentido se não enfrentar o machismo, a cisnormatividade, o racismo e a exclusão dos territórios periféricos”, comenta Jessica Mota, gerente na Énois.

Criamos práticas que integram metodologias de escuta ativa às rotinas da comunicação, reconhecendo o afeto como ferramenta de gestão e criação. Desenvolvemos um protocolo de saúde mental para redações que propõe práticas de cuidado coletivo como resposta ao adoecimento de quem comunica — especialmente nas periferias.

Ao lado do cuidado, a descolonização das narrativas também se tornou parte da nossa prática cotidiana. Compartilhamos caminhos sobre isso no texto Como colocar escuta e descolonização em prática no jornalismo, onde propomos uma comunicação que reconhece os saberes populares, enfrenta os apagamentos simbólicos e amplia as vozes que historicamente foram silenciadas.

Para a Énois, comunicação tem sentido quando impacta positivamente as comunidades que a produzem e recebem. Foi com essa premissa que sistematizamos um conjunto de orientações em Como fazer e medir um jornalismo que impacta as comunidades. É um convite a avaliar o sucesso de um projeto não apenas por números, mas pela transformação real no território.

“No campo da comunicação, esse humanismo pode ser compreendido como uma prática que tensiona as hierarquias narrativas. Ele exige que questionemos não só quem fala e quem é ouvido, mas também quais vidas são reconhecidas como dignas de serem narradas com profundidade e complexidade. Trata-se, portanto, de uma postura ética e política que recusa a objetificação ou a estigmatização das pessoas retratadas — especialmente quando essas pessoas pertencem a grupos racializados, periféricos ou subalternizados”, explica Fabiana.

Fabiana Moraes (à direita) participou do Lançamento de livros no 18º Congresso da Abraji (2023). Foto: Pedro Moreira/Abraji

Sabemos que estamos na difícil disputa por um futuro que fortaleça as relações comunitárias para a maioria da população brasileira, que é negra e está nas periferias. Relações essas que são fundamentais para a manutenção do tecido social.

Sabemos que a informação, em texto, em imagem, em áudio, é fundamental para esse processo. Se não fosse, não haveria tanto dinheiro e tempo sendo investido em financiar narrativas de segregação, discriminação, ódio e desinformação, das mais escancaradas às mais sutis, com o objetivo de enfraquecer comunidades para manipular decisões políticas.

“A comunicação comunitária e periférica pode, sim, ser vista como expressão concreta desse humanismo radical. Esses projetos — muitas vezes fora dos grandes centros de produção midiática — não apenas informam, mas criam sentido a partir de vivências locais, resistindo a uma lógica centralizadora e desumanizante que ainda estrutura boa parte da mídia tradicional”, ressalta nossa conselheira. “Eles constroem outras epistemologias, pautadas na experiência direta, na escuta coletiva e na atuação política enraizada. Aplicar o humanismo radical à comunicação significa também recusar o distanciamento seguro, muitas vezes confundido com neutralidade, e compreender o fazer jornalístico e comunicacional como parte ativa da disputa por reconhecimento, memória e justiça.”

A premissa do humanismo radical é também algo que acompanha a estrutura e a área de Relações Humanas (RH) da Énois. “Com escuta, diálogo, conhecimento e adaptação — nossos novos valores — seguimos firmes no propósito de fortalecer coletivos de comunicação nas periferias, sem perder de vista quem torna isso possível: a nossa própria equipe”, explica Alexia Oliveira, responsável pelo desenvolvimento de dois novos movimentos internos muito importantes na organização.

Um deles é a avaliação de desempenho, que teve seu primeiro ciclo rodado em junho, e que trouxe a possibilidade de humanizar o trabalho ao propor um momento em que cada pessoa pode olhar para o seu caminho, reconhecer suas potências, identificar pontos de atenção e, principalmente, construir planos de desenvolvimento de forma conjunta com suas lideranças. Também é uma forma de garantir mais justiça nas decisões, promovendo um ambiente mais coerente entre entrega, reconhecimento e oportunidade.

O outro é a política de cargos e salários, que ainda está em aprovação, e vem pra organizar nossa casa com mais transparência. Ela propõe um modelo estruturado de níveis, faixas salariais e escopos de trabalho, pensado de acordo com a realidade da Énois — e com o compromisso de reduzir desigualdades internas, dar mais previsibilidade para quem está aqui e orientar processos futuros de contratação, movimentação interna e crescimento.

Mas, como fazer isso num cenário em que nossa sustentabilidade financeira ainda depende majoritariamente da filantropia e de leis de incentivo que quase nunca destinam recursos para o fortalecimento institucional? Transparência, valorização e cuidado com as pessoas não são luxo — são base pra qualquer organização que queira existir de forma coerente com os valores que carrega. Alô, filantropia:fortalecer o institucional é fortalecer o impacto.

Nossa atuação pode ser uma gota no oceano. Mas como fala um personagem do filme “A Viagem”: “o que é um oceano se não um infinito de gotas?”

E por aí, qual tem sido sua contribuição nesse oceano de gotas da comunicação que abraça o humanismo radical? Responde pra gente ou compartilha no grupo da Rede Énois no WhatsApp. A gente te escuta.