Existe um movimento do capitalismo, que não é nenhuma novidade, de atrair investimentos em torno de eventos. É quase como a pergunta do ovo e da galinha: os investimentos existem por conta do evento ou o evento é o que mobiliza os investimentos? Fato é que grandes eventos movimentam a economia. Quando falamos da Conferência do Clima, não é diferente. Esse grande evento mobiliza o mercado imobiliário, turístico, hoteleiro, de serviços e, claro, o terceiro setor.
Na Énois, temos observado como as instituições filantrópicas têm se voltado a financiar organizações em Belém e na região amazônica em razão da COP-30 acontecer ali. O que chama a atenção é a maneira como isso tem acontecido.
“Muitos desses financiamentos são voltados exclusivamente para ações pontuais, não têm um compromisso com a continuidade e o fortalecimento institucional a longo prazo e estão sendo direcionados para grandes organizações”, diz Marcos Wesley, Assessor Político e Institucional do Comitê COP-30 e co-fundador do Tapajós de Fato.
Financiadores se veem às voltas sem saber como atuar para apoiar o desenvolvimento territorial voltado à sustentabilidade ou escolhem deliberadamente manter ações pontuais, evitando mudanças estruturais? O ovo ou a galinha.
A situação é ainda mais difícil para a comunicação popular e para ações voltadas às periferias e comunidades tradicionais – geralmente fora do foco de financiadores socioambientais e com dificuldade para se enquadrar nas exigências dos editais. Assim, coletivos e veículos de comunicação seguem sem conseguir garantir sustentabilidade após a COP.
“Há muita grana rolando em relação à COP e há promessa de mais grana ainda, mas isso não está chegando na ponta”, relata Cecília Amorim, co-diretora da Agência Afroindígena Carta Amazônia de Jornalismo Ambiental. Ela conta que a organização tem sido sondada para financiamentos, mas nenhum apoio se confirma.

Rio de Janeiro (RJ) 20/09/2024 – Manifestação Marcha pelo Clima, que se realiza anualmente em diversas cidades do mundo e alerta para a crise climática e o aumento dos eventos climáticos extremos. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Quando voltamos ao campo, vemos que as respostas já existem. Consultar as iniciativas, escutar e redesenhar as metodologias de financiamento é um caminho corajoso diante da cacofonia salvacionista. E comunicação é uma ferramenta de transformação social quando falamos de clima, porque falar de clima é falar de alimentação, transporte, políticas públicas e sobrevivência diária.
Quem está pautando isso nas periferias? E como?
A comunicação precisa ser vista como pilar estratégico da agenda climática, mas não é. “Pouquíssimas filantropias apoiam comunicação. Menos ainda o jornalismo. É visto como secundário, mesmo quando se reconhece seu papel”, aponta Gave
Sabemos que a maioria das iniciativas de comunicação popular existe porque indivíduos e pequenos grupos acumulam outros trabalhos e mantêm esses projetos por conexão com sua comunidade – como já mostrou a pesquisa Retrato do Jornalismo Brasileiro.
A Conferência do Clima é importante. Mas tão importante quanto ela é a construção diária de soluções resilientes, de cooperação comunitária e de educomunicação nos territórios. As iniciativas periféricas precisam de mais do que doações pontuais e agendas sazonais – precisam de estrutura, continuidade e investimento real.
