Filantropia precisa desconcentrar poder e riqueza na prática

O Congresso do GIFE, que reúne fundações, institutos e empresas responsáveis por mais de R$ 5 bilhões ao ano, trouxe a desconcentração de poder, conhecimento e riqueza como tema central. Em Fortaleza (CE), de 7 a 9 de maio, mais de 30 mesas deram palco e público à diversidade racial e territorial, com lideranças negras e periféricas em destaque. Mas faltou algo essencial: prática e transparência nas estratégias de apoio e financiamento.

Como acessar os financiadores presentes? Como entrar em contato com quem sequer ocupou os estandes? Quem são as pessoas por trás da filantropia? Para muitas organizações da Rede Énois, era a primeira vez tão perto da filantropia – e ainda assim, tão longe. A maioria dos operadores segue sendo branca, de classe alta, distante das realidades das periferias e territórios rurais, por exemplo.

As falas mais fortes – como a de Bianca Santana, pedindo “parem de fazer planejamento estratégico”, ou de Lígia Batista, exigindo reciprocidade nos relatórios – foram aplaudidas. Mas a operacionalização prática dessas provocações seguiu ausente. Raras mesas promoveram diálogo real, trocas concretas ou caminhos de articulação.

É urgente uma filantropia comprometida com coletividade, construção de agendas comuns e abertura de caminhos conjuntos. Precisamos superar o culto ao fundador, a competição entre organizações e os processos verticalizados. Um exemplo positivo veio da roda de conversa que ocupou o estande vazio da Open Society: quase 30 mulheres negras discutindo os desafios da liderança social e reivindicando estratégias acessíveis para quem não encontra o financiador na fila da escola dos filhos.

Como disse Yane Mendes,comunicadora e cineasta periférica, em uma das mesas: “a paz é branca”. A filantropia pode ser parte da construção da paz, mas precisa agir com urgência. As eleições de 2026 já começaram – e sequer foram mencionadas no congresso. É hora de parar de planejar e começar a redistribuir esse poder.

A filantropia não tem todas as respostas. Quem cuida das agendas e da articulação são as organizações sociais. A filantropia é só um dos caminhos.

texto por simone cunha, diretora de desenvolvimento institucional da Énois.