O acesso à alimentação e o combate à fome se tornaram meta climática e ganharam centralidade nas discussões
Simone Cunha (*)
Enquanto parte das conversas e da cobertura sobre COP30 se ocupam dos preços da comida na cúpula e do preconceito em relação à alimentação tradicional do Pará, há uma construção mais urgente acontecendo em Belém: o acesso à alimentação e o combate à fome se tornaram meta climática e ganharam centralidade nas discussões. É por conta disso que essa COP pode ficar conhecida como COP da comida.
Já na organização da conferência, a organização estabeleceu metas práticas para implementar a mudança que se discute diplomaticamente: 30% da alimentação servida durante a conferência deve vir da agricultura familiar, de práticas agroecológicas ou da sociobiodiversidade. Dois dias da programação oficial serão dedicados à discussão sobre sistemas alimentares (19 e 20/11). E na pré-COP, a Cúpula do Clima, 44 países assinaram a “Declaração de Belém sobre Fome, Pobreza e Ação Climática Centrada nas Pessoas”, que coloca o combate à fome como prioridade climática.
O texto reconhece que agricultores familiares, povos indígenas, comunidades tradicionais e pequenos produtores rurais são, ao mesmo tempo, os mais vulneráveis à crise climática e os principais agentes de resiliência dos sistemas alimentares globais. Por isso, a declaração defende que o financiamento climático apoie meios de subsistência sustentáveis para essas populações, garantindo que a ação climática também gere empregos dignos, acesso a direitos e oportunidades econômicas para quem produz.
Já na abertura, o presidente Lula reforçou que a crise climática precisa ser combatida e compreendida pelo cotidiano, ao afirmar que “as pessoas podem não entender o que são emissões ou toneladas métricas de carbono, mas sentem a poluição”. Da mesma forma, podem não entender que é a evapotranspiração que abastece os rios e mantém a temperatura da terra, mas são impactadas quando não encontram certos alimentos na feira por falta seca.
A carta de Belém contra a fome reconhece que a crise climática já impacta o cotidiano e está aumentando a desigualdade, exacerbando a pobreza e fome, e isso precisa ser levado em conta na ação climática, ou irá piorar. O documento aponta que os pequenos produtores, de comunidades tradicionais estão entre os mais vulneráveis à crise climática e também são fundamentais como resposta, construindo sistemas alimentares sustentáveis, com desenvolvimento econômico e estabilidade social local – ainda mais se decentemente apoiados. Para isso, prevê investimento em soluções de prevenção a riscos climáticos, maior acesso a estruturas de financiamento e políticas públicas.
Em meio a essa virada na narrativa climática global, iniciativas locais que tratam a alimentação como ferramenta de transformação são fundamentais para estourar a bolha da COP e manter essa agenda de pé e na mesa das pessoas.
O recém-lançado Prato Firmeza Amazônia, produzido por comunicadores periféricos do Tapajós de Fato, Puxirum do Bem Viver e Pavulagem, é um exemplo. O guia mapeia ingredientes, receitas e histórias que mostram como a cultura alimentar pode ser ao mesmo tempo resistência, regeneração ambiental e acesso a direitos com base nas comunidades.
Que a COP30 fique conhecida como COP da alimentação e traga para a mesa a justiça climática como prática e os pratos com comida tradicional e local como realidade. E que a segurança alimentar, além de pauta de urgência e de COP, se estabeleça como agenda de implementação – fome e crise climática andam juntas e as soluções também.
(*) Diretora de desenvolvimento institucional da Énois, organização que apoia o desenvolvimento de iniciativas nascentes de comunicação e cultura nas periferias do Brasil e criou o Prato Firmeza como plataforma que conecta informação e alimentação nas periferias brasileiras.
Texto originalmente no Sul 21
