O papel da filantropia na sustentabilidade no jornalismo e desafio das lideranças periféricas e pretas

Durante o 20º Congresso da Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, participei de uma mesa sobre um tema urgente: o papel da filantropia na sustentabilidade das organizações de jornalismo no Brasil. A conversa foi atravessada por questões como raça, território, identidade e desigualdade.

No ano passado, assumi a direção do laboratório Énois, onde me formei como jornalista. Hoje, como mulher preta, travesti e periférica em posição de liderança, vivo os desafios concretos de dialogar com quem detém os recursos – geralmente em contextos muito distintos dos nossos.

A ausência de redes de contato privilegiadas impacta diretamente nossas relações institucionais. Enquanto operamos em cenários de emergência, a filantropia muitas vezes atua em outro ritmo, distante das urgências do nosso cotidiano.

Quando pessoas negras e periféricas apresentam projetos, eles são vistos como “bonitos” ou “necessários”, mas raramente como estratégicos. E o campo da comunicação ainda é um dos menos priorizados no investimento filantrópico. A disputa por recursos é desigual.

Não se trata de pedir menos critérios, mas de afirmar: comunicação não é acessório. É eixo estruturante da transformação social. E para isso, precisamos de investimento institucional, estrutura, equipe, contratação digna, continuidade.

A filantropia é importante, mas não pode ser nossa única via. Precisamos também criar outras fontes de receita: produtos, serviços, leis de incentivo, captação direta. Sustentabilidade real exige caminhos diversos e sintonizados com nossos territórios.

Também é preciso fortalecer a base institucional. Isso passa por práticas de cuidado: códigos de conduta, políticas de enfrentamento ao assédio, compromisso com a diversidade, e contratação formal. Mas poucos financiadores apoiam esse tipo de estrutura.

Apesar dos desafios, há movimento. Segundo o Instituto Beja, o investimento filantrópico no Brasil gira em torno de US$ 4 bilhões/ano, com potencial de chegar a US$ 28 bilhões. Além disso, até 30% das fundações já apoiam projetos de outras organizações, o que mostra abertura para redesenhar esse campo – se houver vontade política.

A mesa que participei era composta por três mulheres, duas negras. Levamos dados, mas também vivências. Esse texto não é uma denúncia. É um chamado. Um convite à reflexão sobre como o jornalismo e a comunicação nas periferias são percebidos e financiados.

Fazer jornalismo nas periferias é, por si só, um grande projeto. Seguimos. Criando, resistindo, informando.

Texto por Sanara Santos, diretora da Énois